Era 24 de agosto de 1954 quando recebi de meu pai, Darcy Pereira Nunes, uma das poucas e bravas broncas. Estudava eu no Colégio Santa Terezinha do Menino Jesus, no turno da manhã, que acabou interrompido antes de seu final por uma notícia bombástica: morreu o presidente Getúlio Vargas.

Em tempo em que escolas e comércio suspendiam suas atividades em homenagem a figuras ilustres mortas (e não a bandidos, como hoje ocorre), para mim era benfazejo retornar à casa um pouco mais cedo. Almocei, fiz o dever de casa e fui para o longo corredor fazer o que mais apreciava: jogar bola.

Eis que surge meu pai dizendo: “Acaba agora mesmo com isso; todos para casa; hoje é um dia de luto e quero silêncio absoluto.” Eu, criançola, não entendi nada, embora na escola tenham avisado que as aulas tinham sido suspensas devido à morte de Getúlio. “E daí?”, pensei eu. Como naquele tempo também se obedecia aos pais, guardei a bola e, ante o silêncio sepulcral, nada mais me restou senão ler gibis à tarde e à noite.

Levei alguns anos para compreender aquela reação paterna. Getúlio Vargas teve uma relação muito especial com São Gonçalo e eu não sabia disso. Foi o presidente da República que mais investiu na cidade e que maior número de vezes a visitou.

É claro que outros, antes e depois, também aqui estiveram, mas nada tão duradouro, afetivo. Parece-me que São Gonçalo era o xodó de Getúlio. Antes dele, o primeiro chefe da Nação a aqui vir foi Campos Salles, em dois de janeiro de 1900, para visitar o palacete do doutor Rego Barros, em Sete Pontes, pensando ali instalar hospital destinado a pacientes de béri-béri, ideia que não prosperou devido à forte reação de gonçalenses e niteroienses.

Nilo Peçanha, ainda vice-presidente da República, veio em seis de julho de 1908 para visitar a estação de energia elétrica que estava sendo construída em Sete Pontes e depois se reuniu com os vereadores Acácio Amaral dos Santos Lima e Hugolino Pereira dos Santos, em Cordeiros, e jantou em Neves. Já chefe da Nação, em 26 de junho de 1910 Nilo recebeu sucessivas homenagens em Neves, Porto da Madama, São Gonçalo e Alcântara, ao passar no trem que o levava a Campos dos Goytacazes. Ele, porém, é preciso ressalvar, não se constituía em novidade, pois aqui tinha um de seus núcleos eleitorais.

Eleito o marechal Hermes da Fonseca, aqui não veio, mas nós fomos a ele, presentes que estávamos à recepção a si oferecida em 14 de março de 1910, no Rio de Janeiro, representados pelo coronel Manoel Gonçalves Amarante, Cândido José de Faria, Hugolino Pereira dos Santos, Acácio Amaral dos Santos Lima e Antônio Fortes Bustamante Sá. Também o presidente Wenceslau Braz não visitou a cidade, porém deu relevo à Usina São Gonçalo, produtora de doces, em fevereiro de 1916, visitando seu estande na feira nacional que se realizava no Rio de Janeiro e deixando nele fotografar-se.

O presidente Eurico Gaspar Dutra honrou-nos com a presença na inauguração, em primeiro de maio de 1949, do conjunto de casas para funcionários da Estrada de Ferro Leopoldina, no bairro da Estrela do Norte; o presidente Juscelino Kubitscheck aqui esteve por duas vezes (em 1955, como convidado, ainda governador de Minas Gerais, para inaugurar o novo prédio do Grupo Escolar Adino Xavier, e em 1965, na condição de preso político, quando ficou recolhido a uma sala que lhe serviu de cela no então 3º Regimento de Infantaria, em Sete Pontes); o futuro presidente Jânio Quadros passou pela cidade em campanha eleitoral, em 1960, o que também fizeram os presidentes Fernando Collor de Mello, em 1989, e Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998: e seria repetido pelo presidente Luiz Inácio da Silva em 2002 e 2006, que aqui voltou em 2007 e lançou a pedra fundamental de centro de formação profissional de qualificação de mão de obra para o pólo petroquímico em construção em Itaboraí; a presidente Dilma Roussef também veio à cidade, em setembro de 2013, para assinar a concessão de empréstimo ao governo do Estado destinado à construção da linha 3 do metrô (pré-metrô, ligando Niterói, São Gonçalo e Itaboraí), obra prometida por sucessivos governadores (Chagas Freitas, Leonel Brizola, Moreira Franco, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Sérgio Cabral Filho) desde o lançamento de sua proposta em 1977, mas nunca realizada por contrariar fortes interesses econômicos.

Mas o charme fica por conta de Getúlio Vargas. Embora derrotado na cidade na eleição de primeiro de março de 1930 (quando aqui teve um terço dos votos de seu concorrente Júlio Prestes), assumiu o poder com a revolução de três de outubro seguinte e não deu importância àquela adversidade nas urnas gonçalenses. Pelo contrário, já em princípios de 1931 concede os primeiros incentivos para a instalação da Companhia Nacional de Cimento Portland em Guaxindiba (que seria inaugurada em 15 de maio de 1933), mesmo bairro onde autoriza, pelo decreto nº 20161, de 01-07-1931, o funcionamento da Companhia Agrícola Bom Retiro, e em fevereiro de 1932 sua esposa, dona Darcy Sarmanho Vargas, entrega à Caixa de Esmolas de São Gonçalo grande quantidade de pó de café, que seu presidente, Quintino Teixeira, distribui aos pobres em 14 daquele mês.

A seis de março de 1932, os gonçalenses retribuíam-lhe tais gestos com a criação do Clube Três de Outubro, de defesa dos ideais da revolução de 1930, instalado na Rua Dr. Porciúncula, 214, em Sete Pontes, residência do médico Décio Gomes da Silva, a quem coube a presidência. A vice-presidência ficou com o tenente Rodolfo Pereira dos Santos; a primeira secretaria com o advogado Álvaro Esteves de Souza; a segunda com o coronel (da Guarda Nacional) Antônio Martins Ferreira; e a tesouraria com o capitão Hugolino Pereira dos Santos. Além disso, em seu aniversário, a data era sempre lembrada com festividades por toda a cidade.

Um ano depois, em 27 de junho, tendo em vista a péssima administração da francesa Compagnie Chemin de Fer na antiga Estrada de Ferro Maricá, ele baixa decreto anulando a concessão de anos antes e, em 16 de agosto de 1943, determinou que a EFM fosse anexada à Estrada de Ferro Central do Brasil, em tentativa de salvá-la.

Vargas agia por si ou seus ministros, como o fez o do Trabalho em maio de 1933 ao nomear o advogado Álvaro Esteves de Souza presidente da primeira Comissão Mista de Conciliação do Trabalho, embrião da atual Justiça trabalhista na cidade. Coube também àquele ministro representá-lo na inauguração, em 24 de junho de 1934, da Concentração Operária Gonçalense, em Neves, presidida por Arlindo dos Santos, que congregava os sindicatos de trabalhadores criados a partir do ano anterior.

Porém, Getúlio Vargas preferia, tanto quanto possível, estar presente pessoalmente, como o fez em 28 de fevereiro de 1936, em companhia do governador Protógenes Guimarães, ao visitar as instalações da Companhia Nacional de Cimento Portland, em Guaxindiba, que fora inaugurada três anos antes, graças a ele. Voltaria em nove de janeiro de 1937 para inaugurar o preventório instalado pelo governo do estado na Ilha do Carvalho e visitar a Siderúrgica Hime, em Neves.

Aguardado, não pôde comparecer e fez-se representar pelo governador Protógenes Guimarães na inauguração da Empresa Brasileira de Produtos da Pesca (hoje Coqueiro) em 14 de agosto de 1937 e pelo ministro Marques dos Reis na do trecho da Estrada de Ferro Maricá, em 19 de novembro do mesmo ano, entre Iguaba e Cabo Frio, cujo trem especial saiu de Neves às sete horas. Em seis de janeiro de 1938, o ministro da Agricultura, Fernando Costa, visitou a indústria Coqueiro, em seu nome. Seu ministro da Educação, Gustavo Capanema, em 27 de agosto de 1940, representou-o na inauguração da nova ala do Preventório (educandário) Vista Alegre.

                       Todas as gentilezas eram-lhe retribuídas com a inauguração de seu retrato na casa comercial de Oswaldo Luiz, em Neves, em 12 de junho de 1938, na sala de sessões dos sindicatos, na Rua Floriano Peixoto, 47, e na delegacia regional do trabalho, em 18 do mesmo mês; na Companhia Nacional de Cimento Portland, em 24 de junho; e na delegacia de polícia, em seis de agosto. Isto sem falar em que seu nome foi dado a trecho da antiga Estrada das Sete Pontes, no bairro Barro Vermelho; o de sua filha, Alzira Vargas, a uma rua no bairro Laranjal e de ter sido ela escolhida madrinha do Abrigo do Cristo Redentor; o de seu genro, Amaral Peixoto, a uma escola municipal no bairro Lindo Parque; e, muitos anos depois, o de sua esposa, dona Darcy, ao Pronto Socorro Infantil da cidade.

Ainda em agosto de 1938, no dia 28, ao retornar de Campos dos Goytacazes, onde fora inaugurar uma usina de açúcar, Vargas era homenageado às 11 horas no centro de São Gonçalo, na passagem do trem em que viajava, e em 24 de dezembro do mesmo ano, ao participar da inauguração do Abrigo do Cristo Redentor do Rio de Janeiro, apresentou Levy Miranda ao interventor federal Amaral Peixoto, dando início ao processo de criação do ACR gonçalense.

Em quatro de janeiro de 1940, baixa decreto restabelecendo a denominação do 3º Regimento de Infantaria, instalado em Sete Pontes com o título de 14º RI, e em 31 de março seguinte participa, na Fazenda Bonfim, em Petrópolis, propriedade dos herdeiros de Franklin Sampaio, de churrasco em benefício das obras do Abrigo do Cristo Redentor de São Gonçalo. A cidade mais uma vez retribuía-lhe o gesto com a inauguração de seu retrato, em três de agosto do mesmo ano, na Feira de Amostras de São Gonçalo, em Neves, e em 20 de setembro ele novamente visitava o 3º RI, para inaugurar o Estádio General Daltro Filho.

Era seu propósito aqui estar dois dias depois, para inaugurar o Abrigo do Cristo Redentor, mas não pôde vir e incumbiu sua esposa, dona Darcy Vargas, de representá-lo naquele evento . Com o fim do Estado Novo, em 1945, recolheu-se ao Rio Grande do Sul e de lá retornou ao território gonçalense para grande comício em Neves, em três de setembro de 1950, que lhe rendeu a mais expressiva votação obtida em São Gonçalo naquele ano (ao contrário do que ocorrera em 1930), elegendo-se presidente da República e promovendo, em 18 de agosto de 1951, grande jantar no Jóquei Clube carioca, em benefício do Abrigo do Cristo Redentor do Rio de Janeiro e, naturalmente, do de São Gonçalo.

Demorou mais de meio século para que eu compreendesse aquela reação de meu pai no dia 24 de agosto de 1954.

 

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Fontes:

O Fluminense, 03-01-1900, p. 2; 07-07-1908, p. 1; 14-03-1910, p. 2; 27-06-1910, p. 1; 14-02 e 08-03-1932, p. 1; 22 e 23-06-1934, p. 1; 27 e 29-02-1936, p. 1; 31-12-1936, p. 1; 07, 09, 10 e 16-01-1937, p. 1; 04, 11 e 15-08-1937, p. 1; 12-06, 18-06, 24-06, 06-08 e 28-08-1938, p. 1; 03, 04, 06 e 07-08-1940, p. 1; 21 e 23-09-1941, p. 1; e 30-05 e 10-09-1943, p. 1.    

             Revista da Semana, 05-02-1916, p. sem número.

             Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 17-06-1932, p. 3 a 6; 27-05-1933, p. 18; 16-06-1933, p. 16; 28-02 e 01-03-1936, p. 1 e 2; 10-01, p. 1, e 12-01-1937, p. 3; 20-08-1938, p. 4; 04-01-1940, p. 1; 31-03 e 01-04-1940, p. 1.

             A Gazeta, 17-06-1934, p. 1; 14-08 e 16-09-1937, p. 1 e 4.

             O Imparcial, 15-08-1937, p. 12.

             Jornal do Commercio, 23-09-1941, p. 8.

             O Jornal, 23-09-1941, p. 3.

             Diário de Notícias, 23-09-1941, p. 7; e 03-05-1949, p. 9 (1ª do 2º caderno).

             Jornal do Brasil, 23-09-1941, p. 16.

             Correio da Manhã, 23-09-1941, p. 3.

             O São Gonçalo, 14, 21 e 28-09-1941, p. 1; 01-05-1948, p. 1; e 03-09-1950, p. 1.

             Diário da Noite, 26-01-1955, p. 16.

             Última Hora, 26-01-1955, p. 8.

             Correio da Manhã, 27-01-1955, p. 7.

             Relatório da Legião Brasileira de Assistência (LBA) de São Gonçalo, 1944.

             Getúlio Vargas: Diário; Peixoto, Celina Vargas do Amaral, apresentação; Editora Siciliano e Fundação Getúlio Vargas, 1995, volume II, p. 10, 304,, 423 e 424.