Luis Sá, o Disney gonçalense

 

Alexandre Martins*

 

Desde que Walt Disney popularizou o Desenho Animado pelo Mundo, todo aquele que tem um talento para o cartum, quadrinho ou animação tem o título “Disney”.

São Gonçalo tem o seu “Disney”. Chamava-se Luis Sá.

Nascido em Fortaleza, Ceará, em 28 de Setembro de 1907, Luiz Sá de Araújo era de família de desenhistas, pois seus pais eram professores de desenho. Ainda quando criança enchia os cadernos escolares com desenhos. Acabados os cadernos, começou a rabiscar com carvão pelas calçadas de Fortaleza, pros garotos verem. Outras pessoas passavam, diziam: "Esse menino tá se perdendo aqui. Vai pro Rio, menino".

Seu primeiro trabalho na área foi ainda em Fortaleza, com uma pequena participação numa revista humorística.

Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1928. “Passei fome”, dizia ele. Expôs bicos-de-pena aquarelados que fixavam cenas e costumes do Ceará. No jornal "O Imparcial", diagramava a página de esportes. Ao contrair icterícia, é levado ao Hospital do bairro da Gamboa, onde uma freira lhe consegue um trabalho como vigia. Para não pegar no sono, redesenhava quadros famosos da história do Brasil.

Quando o caricaturista Pacheco Queiroz, que trabalhava no "Diário Carioca", levou seus trabalhos para o então funcionário da editora "O Malho" e futuro dono da Ebal1, Adolfo Aizen, que ofereceu 10 mil réis por desenho para publicá-los nas revistas O Malho.2

Com o fim da revista "Eu Vi", que foi publicada só para suprir a falta d´ O Malho, fechado na Revolução de 30, Aizen pediu para ele fazer uma história infantil para "O Tico-Tico", revista em quadrinhos da editora e a a primeira revista em quadrinhos do Brasil, O Tico-Tico, que circulou desde 1905 até a década de 70.

Assim Luiz Sá criou seus personagens mais famosos: Reco-Reco, Bolão e Azeitona, que saíram pela primeira vez na edição de abril de 1931 d'"O Tico-Tico". Criou também o cão Totó, o ratinho Catita, Pinga Fogo, Maria Fumaça, entre outros. Fez esses personagens até 1960, quando o Tico-Tico fechou.

Luiz Sá trabalhava também como funcionário do Serviço Nacional de Educação Sanitária - um órgão governamental criado em 1941, durante o governo do presidente Getúlio Vargas - e ilustrou vários livros e folhetos sobre saúde pública e prevenção de acidentes. Seus traços retratavam os hábitos e cuidados com a saúde com leveza e humor, ajudando a tornar o tema mais atraente para todos os públicos. Hábitos saudáveis, alimentação correta, higiene, prevenção e combate a doenças eram alguns dos temas tratados pelo Serviço Nacional de Educação Sanitária, que se dedicou a criar peças de propaganda em diversos meios. Um desses recursos eram as cartilhas.

Foi pioneiro no Desenho Animado brasileiro, criando dois curtas entre 1938 e 1939: “Aventuras do Virgolino”. Fez desenhos para aberturas dos cine-jornais na década de 1940 e ilustrações para as TVs Rio e Globo, já nos anos 60. Sá também foi responsável pela criação de O Bonequinho, personagem usado na seção de crítica de cinema do Jornal O Globo3. Seu desenho é caracterizado pelo uso quase exclusivo de linhas curvas, tendo quase todos os seus personagens os rostos bastante arredondados.

 

Depois dessa época de ouro dos seus desenhos, a vida de Luiz Sá não ficou nada fácil. Durante os anos 60, aconteceu uma verdadeira invasão dos quadrinhos estrangeiros. Muitas revistas brasileiras fecharam. Nessa época, o artista retirou-se para viver afastado em São Gonçalo. “Estou muito satisfeito”, dizia. Ele contraiu tuberculose em 1974, e foi internado no Hospital Azevedo Lima, em Niterói.4

Apesar das dificuldades, continuou a trabalhar em prol da saúde, e durante sua internação, realizou cerca de 50 desenhos. Alguns retratavam o bacilo de Koch, causador da tuberculose, e outros inimigos da saúde. O desenhista se recuperou e voltou para casa após o tratamento, mas alguns anos depois, em 1979, acabou falecendo de complicações causadas pelo problema no pulmão.

 

 

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(*) desenhista, escritor, empresário cultural, presidente da SAL

 

1- Editora Brasil América, uma das maiores editoras do Brasil nas décadas de 1960 e 1970.

2- Disponível em www.invivo.fiocruz.br. Acesso em 26/01/2011.

3- VERGUEIRO, Waldomiro, et alii (org.). "Luiz Sá". In O Tico-Tico - Centenário da primeira revista de quadrinhos do Brasil. São Paulo: Opera Graphica, 2005

4- abril de 1975 no terceiro número da revista O Bicho.